Death Note e a Ética do Poder: Seria Light um Herói ou um Vilão?
Light Yagami é herói ou vilão? Descobre o dilema ético e filosófico por trás de Death Note e do poder absoluto nas mãos humanas.
ARTIGOANIMES
Racnela
4/16/20258 min ler


Death Note e a Ética do Poder: Seria Light um Herói ou um Vilão?
Desde a sua estreia, Death Note tem sido uma obra-prima que desafia fronteiras morais, provoca dilemas filosóficos e faz com que os espectadores se questionem sobre o bem e o mal. No centro desta narrativa está Light Yagami, um estudante brilhante que encontra o misterioso “Death Note”, um caderno capaz de matar qualquer pessoa cujo nome seja escrito nas suas páginas. A partir deste ponto, torna-se Kira e desenrola-se uma luta entre justiça e tirania, razão e obsessão.
Mas, afinal, será Light (ou Kira) um justiceiro incompreendido ou um vilão egocêntrico?
A Origem do Julgamento: Light Yagami, o Death Note e o Chamado dos Deuses da Morte
Death Note começa por nos apresentar Light Yagami, um estudante do ensino secundário exemplar, filho de um oficial da polícia japonesa e dotado de uma inteligência acima da média. A sua vida muda radicalmente quando encontra, aparentemente por acaso, um estranho caderno negro caído no pátio da escola: o Death Note.
Este objeto não é uma simples relíquia esquecida. É um artefacto pertencente ao mundo dos shinigami, deuses da morte que vivem num plano paralelo ao dos humanos e prolongam a sua existência ao ceifarem vidas humanas. O caderno, lançado ao mundo humano por Ryuk, um shinigami entediado que decide observar o que aconteceria se um humano tivesse tal poder, tem uma regra simples e assustadora: qualquer pessoa cujo nome seja escrito no caderno morrerá, desde que o rosto da vítima seja conhecido de quem escreve.
Ryuk não escolhe Light por nenhum motivo especial. Pelo contrário, o seu gesto é motivado apenas pelo aborrecimento que sente no mundo dos deuses da morte. A entrada de Ryuk na vida de Light marca o início de uma espiral de eventos onde poder, justiça e vaidade colidem.
Apesar de estar presente durante toda a série, Ryuk mantém-se sempre neutro, observando os acontecimentos com sarcasmo e leveza, como se tudo fosse um jogo para seu entretenimento pessoal. Ele não interfere nem guia Light. É apenas o espelho sombrio da ideia de que o poder absoluto é uma tentação inevitável, mesmo sem qualquer orientação divina.
Ao deparar-se com o poder absoluto de tirar vidas à distância, Light não hesita. Começa por testar o caderno com criminosos conhecidos das notícias televisivas e rapidamente vê nesse instrumento uma oportunidade para limpar o mundo do mal. A sua ambição evolui. Decide tornar-se o deus de uma nova era, uma sociedade utópica onde o medo da morte dissuadiria o crime.
Este ponto de partida levanta uma questão essencial na ética: o fim justifica os meios?
Para muitos, Light representa a figura do herói trágico, alguém que, movido por boas intenções, acaba por se perder na arrogância do seu próprio poder. Ele acredita estar a fazer o bem, mas a linha entre justiça e crueldade torna-se cada vez mais ténue à medida que a história avança.
A Moralidade do Death Note: Um Julgamento Unilateral
Uma das grandes críticas éticas que se podem fazer a Light é o facto de ele assumir o papel de juiz, júri e executor. Ele decide, sozinho, quem merece viver e quem deve morrer, sem qualquer sistema judicial, sem defesa, sem contexto. Mas o seu dilema inicial é, na verdade, mais subtil: se tens o poder de impedir o mal, tens a obrigação de o fazer?
Este dilema ético já foi explorado em inúmeras narrativas heroicas, talvez nenhuma tão emblemática quanto a de Peter Parker, o Spider-Man, que é confrontado com a clássica máxima:
"When you can do the things that I can, but you don't, and then the bad things happen? They happen because of you."
Esta frase vai além do famoso “com grande poder vem grande responsabilidade”. É um apelo à ação. Para Peter, não fazer nada quando se pode fazer algo é, por si só, uma forma de culpa. E é exatamente neste ponto que Light se encontra no início da série. Com o Death Note na mão, ele acredita que não usar aquele poder seria imoral. Que deixar os criminosos continuarem a matar seria, indiretamente, ser cúmplice das suas ações.
Porém, ao contrário de Peter, que tenta sempre agir com empatia e autocontrolo, Light escolhe um caminho radical. Este comportamento é um claro exemplo do absolutismo moral: a ideia de que uma pessoa detém o poder de determinar, de forma infalível, o que é certo e errado. Ele acredita que pode medir o valor de uma vida com precisão matemática e que a sua visão de justiça é infalível.
Mas Light vai além disso. Com o passar do tempo, deixa de eliminar apenas criminosos perigosos para matar também quem se opõe a ele: jornalistas, agentes da polícia, inocentes. O seu ideal transforma-se num instrumento de autoritarismo.
A justiça torna-se um pretexto para manter o seu domínio.
Ryuk, sempre presente, observa esta transformação com desinteresse. A sua apatia perante as mortes humanas contrasta com a obsessão de Light em controlar cada detalhe. Esta diferença sublinha a alienação que o poder provoca. Enquanto o shinigami vê tudo como um entretenimento passageiro, Light acredita estar a criar um legado eterno, ignorando que, ao contrário do verdadeiro herói, nunca parou para se perguntar se deveria fazer aquilo que podia fazer.
L como Contraponto: Justiça com Limites
L, o enigmático detetive que se opõe a Light, é o grande símbolo do imperativo categórico kantiano: cada ação deve ser guiada por uma regra que se possa aplicar universalmente. Para L, não há justificação moral para o uso da força letal, mesmo que a intenção seja erradicar o mal. O processo importa tanto quanto o resultado.
Esta oposição entre Light e L representa o eterno embate entre o consequencialismo (julgar ações pelos seus resultados) e o deontologismo (julgar ações pelos seus princípios). Light acredita que a morte de criminosos leva a um bem maior. L defende que o método usado por Kira é imoral, independentemente do resultado.
A batalha intelectual entre os dois é também um confronto entre duas visões do mundo. E Ryuk? Continua a ver tudo com um sorriso irónico, como quem sabe que nada de bom sairá daquilo, mas está curioso para ver quem cai primeiro.
O Ego como Inimigo: Quando a Justiça se Torna Narcisismo
A transformação de Light ao longo da série é notória. O jovem que inicialmente se revolta com a injustiça do mundo passa a deleitar-se com o seu poder. Começa a ver-se como superior aos demais, digno de adoração. O seu alter ego, “Kira”, torna-se uma entidade quase divina, com seguidores que o veneram. Já não se trata apenas de fazer justiça. Trata-se de ser reconhecido como salvador.
Este narcisismo moral é perigoso. O julgamento deixa de ser baseado no bem comum e passa a ser uma extensão do ego de Light. Ele já não mata apenas para melhorar o mundo. Mata para proteger a sua imagem, para manter o poder, para vencer. Torna-se sensível à crítica, impiedoso com quem duvida da sua autoridade, obcecado com o controlo absoluto da narrativa pública. O seu objetivo não é apenas erradicar o mal, mas manter intacto o mito de Kira: o messias moderno, o deus redentor.
Mais do que isso, Light começa a ver as pessoas à sua volta como peças descartáveis. Usa a devoção de Misa Amane como ferramenta de manipulação emocional e estratégica. Usa o seu próprio pai, Soichiro Yagami, como escudo e meio de ganhar acesso à investigação. Usa todos os que o rodeiam como meios para atingir fins — e, para Kira, os fins justificam sempre tudo.
Neste ponto, torna-se inevitável o contraste com outra figura do universo pop que defende uma visão radical do poder: Norman Osborn, na versão interpretada por Willem Dafoe em Spider-Man (2002), que afirma:
"Power is not given, power is taken. Power is respect."
Esta filosofia — direta e fria — ecoa em Kira. Light acredita que, ao controlar a vida e a morte, conquistará respeito absoluto. Mas onde Osborn assume essa visão com cinismo brutal, Light mascara-a sob a bandeira da justiça. No fundo, ambos procuram o mesmo: validação, reverência e domínio total, apenas com disfarces diferentes.
Por fim, o destino de Light é trágico. Após anos de manipulação, mortes e obsessão pelo controlo, é traído e exposto. Na sua queda, não há honra nem redenção. Apenas o olhar impassível de Ryuk, que, fiel à sua promessa inicial, escreve o nome de Light no caderno. O deus autoproclamado morre como um humano vulgar, derrotado não por inimigos superiores, mas pela sua própria arrogância.
Reflexão Final: E Se o Death Note Fosse Teu?
Light Yagami começa como um idealista, mas o seu caminho é marcado pela sede de controlo, pela eliminação da dúvida e pela crença de que só ele possui discernimento suficiente para decidir o destino da humanidade. Ainda que a sua visão inicial possa ter nascido de um desejo legítimo de justiça, rapidamente se transforma num projeto de dominação moral, onde quem discorda merece a morte.
Ao longo da série, Light não perde apenas a sua humanidade. Perde a capacidade de dúvida, de empatia, de reconhecer o outro como alguém com valor. O que começa como um plano para salvar o mundo torna-se um caminho de autodeificação, onde a moral se curva ao ego. Ryuk, sempre observador, é o lembrete sombrio de que o poder absoluto não precisa de incentivo. Basta a vaidade humana para o corromper.
Death Note não nos oferece uma lição clara — e é isso que o torna inesquecível. A série não nos diz o que pensar, apenas exige que pensemos. Light pode ser visto como herói ou vilão, dependendo do prisma ético que se adopte. Mas talvez o mais perturbador seja isto: qualquer um de nós, com o Death Note nas mãos, poderia começar por querer mudar o mundo... e acabar por querer governá-lo.
A pergunta final não é se Light estava certo ou errado. A verdadeira pergunta é: e se fosses tu?
Nota IMDb: 8.9
Nota Aranha Velocista: 10








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