Last of Us: O Inverno Chegou a Jackson e Nada Será Como Antes

Um episódio intenso e emocional muda o rumo da temporada. The Last of Us mergulha mais fundo nas escolhas, no destino e na sobrevivência.

ANÁLISESSÉRIES

Racnela

4/22/20256 min ler

The Last of Us 2
The Last of Us 2

O Inverno Chegou a Jackson e Nada Será Como Antes

Análise completa do episódio 2 da temporada 2 de The Last of Us — “Through the Valley”

A segunda temporada de The Last of Us está a provar que não tem medo de desafiar expectativas, mesmo quando isso significa romper com o seu próprio coração. O episódio 2, intitulado “Through the Valley”, não é apenas mais um capítulo na saga de Ellie e Joel — é uma viragem radical na forma como a série se posiciona narrativa e emocionalmente. Aqui, a HBO demonstra uma coragem rara: aquela que aceita destruir tudo o que é seguro para contar uma verdade mais crua, mais humana e mais devastadora.

Este episódio, envolto num ambiente invernal de tensão, culpa e violência, apresenta-se como um ponto de não retorno. É um campo de batalha onde o passado colide com o presente, onde as personagens são postas à prova não só fisicamente, mas também moralmente. A realização de Mark Mylod imprime um peso cinematográfico ao episódio, transformando o que poderia ser apenas uma sequência de ação num estudo íntimo sobre dor, destino e perda. “Through the Valley” é, acima de tudo, uma meditação sobre aquilo que deixamos para trás — e sobre o que nos pode transformar, para sempre.

O som da tempestade

Sem spoilers

No segundo episódio da nova temporada de The Last of Us, a HBO entrega-nos uma das experiências televisivas mais arrebatadoras dos últimos anos. O episódio não se limita a continuar a história — ele redefine tudo o que sabemos sobre o rumo emocional e temático da série. Realizado por Mark Mylod, conhecido pelo seu trabalho em Succession e Game of Thrones, este capítulo é tanto um épico de guerra pós-apocalíptico como uma tragédia intimista sobre perda, destino e as consequências dos atos do passado.

Desde os primeiros momentos, sente-se que há algo fora do lugar. Os céus de Jackson, cobertos por nuvens cinzentas, não são meramente meteorológicos: são prenúncio de desgraça. O episódio mergulha de imediato numa tensão crescente, onde a ameaça dos infetados serve como pano de fundo para dramas humanos muito mais profundos. O foco, porém, é sempre emocional. A relação entre Ellie (Bella Ramsey) e Joel (Pedro Pascal) é subtilmente desenvolvida, mesmo quando os dois mal partilham ecrã. As palavras ditas por Ellie, num momento de confissão honesta, são devastadoras quando contextualizadas no fim do episódio: “Nada vai mudar isso. Nunca.”

A série continua a destacar-se por momentos silenciosos, pela forma como capta o impacto psicológico da sobrevivência. A paisagem invernal funciona quase como um espelho interior: gélida, bela, implacável.

O Inverno Chegou Sem Avisar

Com spoilers!!!!!!

Com o título a fazer referência à balada sombria “Through the Valley”, interpretada aqui por Ashley Johnson, o episódio prepara-nos para uma queda inevitável. A ação começa com Abby (Kaitlyn Dever) e o seu grupo a acordar numa cabana, observando a fortificação da cidade de Jackson. A missão deles parece impossível — até que o acaso, ou talvez o destino, os leva ao reencontro com uma figura central.

As sequências de ação em Jackson são de uma escala raramente vista em televisão. A cidade transforma-se num campo de batalha digno de Helm’s Deep, com Tommy (Gabriel Luna) a liderar a defesa ao lado de Maria (Rutina Wesley). O uso de cães, chamas, barricadas e planos de fuga (“porões e telhados!”) torna cada momento visualmente empolgante, mas nunca gratuito. Cada explosão serve para reforçar o desespero de uma comunidade à beira do colapso.

Entretanto, no coração da floresta, Abby enfrenta sozinha uma das mais aterradoras sequências com infetados até agora — uma avalanche literal de corpos, mortos e vivos, levanta-se das neves para a devorar. E é aí que Joel entra em cena. Num gesto de pura compaixão, ele salva Abby. E esse gesto, esse erro, muda tudo.

O que se segue é uma tragédia grega. Uma cadeia de acasos letais conduz Joel até à sua ruína. Não porque foi apanhado, mas porque escolheu ser humano. Escolheu salvar. Escolheu confiar. E essa escolha — que o definiu desde que conheceu Ellie — torna-se o seu fim. Mas esse momento não é imediato. É cruel. Lento. Frio. Um ato de vingança que nem os próprios aliados de Abby conseguem suportar. E Ellie chega tarde demais. Só pode assistir. E chorar. E prometer vingança.

Ecos do jogo

Paralelos com The Last of Us Part II

Para quem jogou The Last of Us Part II, este episódio era uma bomba-relógio. A adaptação televisiva opta por seguir o enredo do jogo de forma fiel, mas com nuances e profundidade emocional que só a linguagem televisiva permite. A Abby de Kaitlyn Dever é mais complexa, mais humana, menos caricatural. A série dá-lhe espaço para existir como algo mais do que vilã — ela é vítima de uma tragédia, de um sistema de violência que perpetua sofrimento.

O contraste entre as duas versões da personagem — a jovem que entra no hospital e a mulher endurecida que sai — é brilhantemente representado num sonho que abre o episódio. Um aviso a si mesma que não pode ouvir.

Outro destaque é o momento em que Ellie toca em Joel, ainda deitado no chão. É quase uma recriação silenciosa da mecânica do jogo: o momento em que o controlo nos é tirado. O jogador sabe que nada pode ser feito, e aqui o espetador vive a mesma impotência.

Mas mais do que repetir cenas, a série expande o subtexto. As ações de Joel têm consequências. O mundo não se esquece, e a série recusa perdoar ou justificar — apenas observa. E nós, como audiência, temos de decidir: amar Joel apesar disso? Odiar Abby apesar da dor? Ou simplesmente aceitar que ninguém está certo neste mundo?

Tudo o Que Eu Tenho de Recordar

A força deste episódio está na sua capacidade de provocar. De nos deixar emocionalmente em ruínas. De perguntar: vale a pena amar alguém num mundo como este? Porque amar alguém é arriscar tudo. E perder.

A música que encerra o episódio — “Through the Valley” — é mais do que uma melodia triste. É um testamento da jornada interior. Ellie caminha agora sozinha, no vale das sombras, de onde talvez não volte. A sua dor, agora, é uma chama. Uma nova identidade. Uma nova Ellie.

A ligação com a música "Take On Me", tão presente na primeira temporada e no jogo, não é acidental. Se nessa altura era símbolo de esperança e inocência — "You’re all the things I’ve got to remember" — agora torna-se eco do que foi perdido. O mundo de Ellie é feito de fragmentos, de memórias que não voltam, de canções que já não confortam.

A pergunta final não é se Ellie vai vingar Joel. A verdadeira questão é: Ela vai conseguir não se tornar ele? Ou pior ainda: não se tornar Abby?

Joel, no fim, não morreu apenas. Ele entregou-se ao destino com um olhar de paz e resignação. Porque talvez ele soubesse, no fundo, que os atos têm um preço. E talvez, por fim, tenha decidido pagá-lo.

“If I ever were to lose you, I’d surely lose myself.”

  • Nota IMDb (episódio): 9.5
  • Nota Aranha Velocista: 9.5
The Last of Us Through The Valley
The Last of Us Through The Valley

Teaser do Episódio 3

A jornada começa agora. Ellie enfrenta as cinzas do que sobrou e a estrada à frente promete ser ainda mais sombria.